O poema Adozinda, que inaugura o género da balada romântica em Portugal (1828), da autoria de Almeida Garrett, marca também os primórdios do interesse pelo romanceiro tradicional moderno em Portugal. Por outro lado, esta longa recriação garrettiana em verso heptassílabo do romance de incesto Silvana oferece a mais complexa tradição genética de todo o romanceiro garrettiano. O espólio literário de Almeida Garrett da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra conserva um curioso jogo impresso de Adozinda com anotações manuscritas garrettianas, o qual assume o valor de original de imprensa, tendo servido de base à segunda edição do poema de 1843.
A alteração, nesta segunda edição de Adozinda (e logo patente no testemunho intermédio do jogo impresso, como aqui se pode observar), na lógica de estruturação do poema, que abandona os primitivos Cantos para se adequar a uma organização em Cantigas, é comentada em nota final pelo próprio Garrett: “Na primeira edição chamavam-se cantos as quatro partes deste romance. Era dar-lhe uma pretensão de epopeia que o pobre não tinha. Demais, cantiga é o nome popular verdadeiro, e por isso lho mudei para ele”. Contudo, esta variante adquire um sentido muito mais abrangente do que aquele que Garrett indica na sua nota. A motivação para esta substituição de “Canto” por “Cantiga” não é sintoma (ao contrário do que o poeta refere) da tomada de consciência da falta de elevação do poema ou do seu eventual desajuste relativamente às aspirações épicas de Adozinda. Na realidade, aponta sim a revolução estética que toma conta de Garrett entre os anos 1828 e 1843. A opção pela Cantiga como “o nome popular verdadeiro” corporiza, nesta variante, a medievalização absoluta do poema, que se encontrava ainda agrilhoado, nos finais dos anos 20, à cartilha poética clássica. Nitidamente, a alteração ter-se-á produzido mais no interior do poeta e menos na perceção posterior acerca do valor e do alcance da composição.