Variações / Inferências / 12
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Cesário Verde, “O Sentimento d’um Occidental”, O Livro de Cesario Verde: 1873-1886
Lisboa: Tipografia Elzeveriana, 1887, p. 60
Biblioteca Nacional de Portugal
Cesário Verde, “O Sentimento d’um Occidental”, Portugal a Camões: publicação extraordinária do jornal de viagens comemorando o tricentenario do cantor dos Lusíadas, Porto: Impr. Int. de Ferreira de Brito & A. Monteiro, 1880, p. 6
Biblioteca Nacional de Portugal
Na primeira publicação de “O Sentimento dum Ocidental” (Portugal a Camões, Porto, 10 de junho de 1880), lê-se nos terceiro e quarto versos: “Que as sombras, o bulicio, o Tejo, a maresia / Despertam um desejo absurdo de soffrer”. Na segunda publicação, em O Livro de Cesário Verde (editado por Silva Pinto numa edição reservada para ofertas de 1886), lê-se nos mesmos versos: “Que as sombras, o bulicio, o Tejo, a maresia / Despertam-me um desejo absurdo de soffrer”. A variante consiste no acrescento ao verbo do pronome reflexivo “-me”, e vem modificar, na forma inicial do verso, o que parecia significar uma objectividade do absurdo, como se despertar “um desejo absurdo de sofrer” pudesse ser uma característica do anoitecer na cidade de Lisboa, com grau de pertinência semelhante ao das “sombras”, do “bulício” e da “maresia”. Na verdade, esse “desejo absurdo de soffrer” é eminentemente subjectivo. De resto, o adjectivo usado manifesta a consciência disso mesmo. Deste modo, o pronome reflexivo vem assegurar a coerência semântica do poema, explicitando a presença do “sentimento” individual na composição de todas as imagens. Pelo que, apesar de o texto de O Livro de Cesário Verde ter sido considerado como menos digno de crédito do que o dos poemas nas suas primeiras publicações — no seguimento da forte suspeita lançada sobre a edição Silva Pinto, em meados do século XX, por António Salgado Júnior e Joel Serrão —, tem de concluir-se que, pelo menos no caso de “O Sentimento dum Ocidental”, a lição de O Livro de Cesário Verde é preferível à da publicação solta, pois o exemplo desta variante revela, não a ingerência de um editor, mas o trabalho de um autor.