Frequentemente insatisfeito com a forma e o conteúdo dos seus textos, Fernando Pessoa submetia-os a numerosas revisões, mesmo depois de os publicar. Em contraste com a ideia expressa pelo poeta de uma escrita triunfal e definitiva de O Guardador de Rebanhos, existem diferentes versões destes poemas. Do último verso da primeira estrofe do poema I do ciclo são conhecidos seis testemunhos. O mais recente é o do exemplar anotado da publicação de uma “Escolha de Poemas de Alberto Caeiro”, no n.º 4 da revista Athena, em 1925. À margem do verso “Como uma borboleta pela janella”, Pessoa acrescenta a variante “dentro de casa” e o possível novo verso “Com a janella aberta”.
Estas anotações exploram a ideia de proximidade e contaminação entre o espaço do “eu” e da realidade exterior. No mesmo exemplar, é introduzido um acrescento ao verso anterior, “E se sente a noite [já] entrada”, surgindo a borboleta como símile da noite. A noite possui, como a borboleta, um modo de ser próprio, e diversas variantes propostas anteriormente apontam para a sua invisibilidade (“invisivel / que se não viu entrar / que entrou sem se vêr / que se não viu”), tal como o acrescento de um novo verso (“Sem se ter visto que é [era] ella”). O sentimento da presença da noite poderia ser reforçado pela audição (“Como uma borboleta que se ouve já dentro de casa”). No entanto, é interessante verificar que, apesar de introduzir estas propostas, Pessoa regressa persistentemente à imagem mais simples, a da borboleta que entrou, como a noite, pela janela. Dir-se-ia que o detalhe excessivo da descrição afetaria a compreensão de uma verdade nuclear, a de que o anoitecer tem impacto num “eu” que não se separa da natureza circundante, e fica “triste como um pôr do sol”.