Variações  /  Garcia de Resende (1470-1536) 

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Garcia de Resende, “Miscelânea”, Livro das Obras
Évora: André de Burgos, 1554, f. iiijb
Biblioteca Nacional de Portugal
Garcia de Resende, “Miscelânea”, Crónica dos valerosos e insignes feitos del-rei Dom João II
Lisboa: António Álvares, 1622, f. 154b
Biblioteca Nacional de Portugal

A primeira edição do Livro das Obras de Garcia de Resende data de 1545 (edição póstuma, já que Resende faleceu em 1536), e foi realizada na oficina do impressor Luís Rodrigues. A segunda, de 1554, a cargo de André de Burgos, inclui, além de um texto sobre a vida de D. João II, já presente na edição anterior, uma composição em verso intitulada “Miscellanea”. Fazendo justiça ao título, a “Miscellanea” comenta acontecimentos tão diversos como conflitos religiosos, eventos artísticos, inovações técnicas ou a empresa dos descobrimentos, entre outros. Na estrofe 36 Resende alude ao sonho de uma união ibérica, acalentado pela coroa portuguesa através de vários casamentos: o de D. Afonso V com D. Joana, filha de Henrique IV de Castela, o do príncipe D. Afonso com Isabel de Aragão, filha dos Reis Católicos, e o de D. Manuel com a mesma D. Isabel, viúva de Afonso (o príncipe faleceu apenas sete meses após o casamento). Deste casamento nasceu D. Miguel da Paz, futuro herdeiro das coroas portuguesa e castelhana, mas que viria a morrer muito novo. Diz Resende:

Vijmos portugal, castella
quatro vezes adjuntados
por casamentos liados
principe natural della
que herdaua todos reynados:
todos vijmos fallescer
em breue tempo morrer
& nenhũ durou três anos:
portugueses, castelhanos
hos quer deos jũtos ver.

A “Miscellanea” aparece, de novo, apenas em 1622, impressa por Antonio Alvarez, em obra que ostenta, pela primeira vez, o título de Crónica. Nesta edição, os versos finais da estrofe 36 surgem alterados:

portugueses, castelhanos
ja hos quer deos jũtos ver.

Não é difícil perceber o que motivou esta aparentemente pequena (a mera substituição de “não” por “já”), mas profunda e significativa alteração: as circunstâncias políticas tinham mudado e o sonho ibérico fora retomado, mas agora com uma dinastia que os portugueses conhecem como Filipina.

Esperança Cardeira |

Universidade de Lisboa